Oficialmente, os partidos políticos já existem no Brasil há mais de cento e sessenta anos. Nenhum deles, porém, dos bem mais de duzentos que surgiram nesse tempo todo, durou muito. Não existem partidos centenários no país, como é comum, por exemplo, nos Estados Unidos, onde democratas (desde 1790) e republicanos (desde 1837) alternam-se no poder. E o motivo disso, dessa precariedade partidária, da falta de enraizamento histórico dos programas nas camadas sociais é a inconstância da vida política brasileira.
Partidos no império
Passada a fase da independência, quando a facção dos exaltados, expressão dos sentimentos nacionalistas, digladiou-se com a dos caramurus, que representavam os interesses lusitanos ainda fortemente presentes, é somente após a queda do imperador D.Pedro I, afastado pelo Golpe de 7 de Abril de 1831, que os partidos políticos assumem uma função institucional. José Murilo de Carvalho foi enfático em dizer que “até 1837 não se pode falar em partidos políticos no Brasil” (A Construção da Ordem: a elite política imperial, RJ. Campus). Formaram-se as duas agremiações que caracterizaram o Segundo Reinado, a dos Conservadores (saquaremas) e a dos Liberais (luzias).
A oposição entre elas devia-se basicamente a visão que cada um deles tinha do poder monárquico. Os conservadores propunham sempre um regime forte, com autoridade concentrada no trono e pouca liberdade cedida às províncias. Os liberais, por sua vez, inclinavam-se pelo fortalecimento do parlamento e pela maior autonomia provincial. No que toca ao regime escravista, ambos eram pela sua manutenção, distinguindo-se os liberais por entenderem a sua supressão conduzida por um processo gradual que lavaria a abolição.
O voto era rarefeito, hierárquico, baseado em critério censitário (Lei Saraiva, 1881), em eleições realizadas em dois turnos, com as assembléias paroquiais escolhendo os eleitores das províncias e estes escolhendo os representantes da nação e das províncias. O escasso conflito ideológico devia-se a que tanto conservadores como liberais pertenciam a mesma classe social, a dos proprietários, de bens e de escravos. Havia, porém, maior simpatia pelos liberais entre os comerciantes, os jornalistas, e as populações urbanas em geral. Esta desatenção pelas idéias, e pelas paixões ideológicas em geral, é que de certo modo, explica que o primeiro programa partidário só tenha sido redigido em 1864 (pelo efêmero Partido Progressista)
Atribui-se, igualmente, à Politica da Conciliação implantada pelo Marques do Paraná (de 1853-1868), como sendo a grande responsável pelo desinteresse dos súditos habilitados no processo eleitoral. Visando evitar perigosas rachaduras entre as classes proprietárias (como se deu com a revolta Praieira, de 1848), adotou-se a estratégia do gabinete misto (conservador-liberal) para estabilizar o Segundo Reinado.
Partidos na República Velha
Assinado por Quintino Bocaiúva, o Manifesto Republicano em Itú, São Paulo, em 3 de dezembro de 1870, logo engendrou a fundação de um partido republicano. Novamente a cidade de Itú serviu de palco para a realização da primeira convenção republicana, a que criou o PRP (Partido Republicano Paulista). O local do encontro foi o sobrado dos Almeida Prado, família ligada à cafeicultura, ocasião em que João Tibiriça obteve a aprovação do programa republicano.
Entretanto, o novo regime implantado a partir da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, devido a sua imposição militar, contou com escassa presença de republicanos autênticos. A república foi obra de generais não de políticos civis. Mesmo assim, obedecendo ao espírito federativo tão reclamado, surgiram partidos regionais (Partido Republicano Paulista, Partido Republicano Mineiro, e assim por diante) que gradativamente desativaram as tentativas de formação de agremiações nacionais (os Partidos Republicanos Federais/ Liberais e Conservadores, que tinham ambição de agregar forças políticas no país inteiro, não foram adiante).
Com a ascensão do coronelismo e suas práticas, as eleições passaram a refletir o poder do caciquismo, sendo que a maioria delas resultava de manipulações ou de arranjos prévios feitos entre os chefes políticos de cada estado. Como eram os funcionários do governo que controlavam os procedimentos eleitorais e faziam a contagem dos votos, em cada estado brasileiro uma máquina política-eleitoral - composta pelo coronel, pelo cabo-eleitoral e pelo curral eleitoral - foi montada com a função básica de garantir resultados satisfatórios ao grupo governante.
Esta prática feria o principio básico do sistema republicano que se assenta no princípio da rotatividade dos cargos e das funções, visto que as oposições estavam impedidas, pelo processo eleitoral legal, de substituírem o grupo dominante. Daí explodir a violência política (caso do Movimento Tenentista, de 1922-27, da Revolução de 1923 no RGS, ou o da Revolta da Princesa na Paraíba, em 1928).
Partidos ideológicos
Aberto às paixões do século, o Brasil também acolheu as ideologias extremistas antípodas que afloraram depois da Primeira Guerra Mundial, o comunismo e o fascismo. Em 1922, foi fundado o Partido Comunista Brasileiro (PCB), vinculado à IIIª Internacional Comunista, com sede em Moscou e , em larga parte, liderado por Luís Carlos Prestes. Dez anos depois, em 1932, foi a vez da fundação da Ação Integralista Brasileira (ABI), inspirada no Movimento Fascista italiano e no Movimento da Falange espanhola, comandada pelo chefe Plínio Salgado.
Ambos os partidos, em momentos diferentes, tentaram depor o regime de Getúlio Vargas por meio de um golpe. O PCB foi o principal articulador da frente que se escudou na ANL (Aliança Nacional Libertadora) e responsável pela fracassada Intentona Comunista, de 27 de novembro de 1935, enquanto a Ação Integralista tratou de assaltar o Palácio da Guanabara, em 12 de maio de 1938, para derrubar o govenro do Estado Novo que os excluíra do poder.
Colocados na ilegalidade pelo decreto de 2 de dezembro de 1937, somente retornaram à vida política ao final da Segunda Guerra Mundial. O PCB ainda teve uma pálida atuação no Govenro Goulart (1961-64), e os ex-integralistas, acobertados pela sigla do PRP (Partido da Representação Popular), fizeram sua última aparição na ditadura do Presidente Médici (1969-1973).
Os partidos da república redemocratizada: 1945- 1965
Totalmente proibidos durante o Estado Novo (1937-1945), os partido políticos somente foram novamente legalizados em 1945. É certo dizer que a vida politica brasileira entre 1945 e 1964 foi polarizada entre os partidos getulistas (PSD e PTB) e o principal partido anti-getulista (a UDN). Por conseguinte, mesmo depois da morte de Vargas, em 24 de agosto de 1954, a sua personalidade continuou pairando sobre a sociedade brasileira por mais dez anos.
O PSD (Partido Social-Democrático) abrigou a face conservadora do getulismo, formada por lideranças rurais e por altos funcionários estatais, enquanto que o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), inspirado no Labor Party da Grã-Bretanha, agregava as lideranças sindicais e os operários fabris em geral. O partido rival, a UDN (União Democrática Nacional), liberal e antipopulista, congregava a burguesia e a classe média urbana, favorável ao capital estrangeiro e à iniciativa privada. Coube à UDN o papel de ser a principal promotora das impugnações das vitórias eleitorais da coligação PSD-PTB (1950, 1955), bem como a maior instigadora das tentativas de golpes militares que se sucederam até a vitória em 1964.
O bipartidarismo no regime militar
Destruído o sistema partidário democrático existente desde 1945, o regime militar, a partir de 1965, com o Ato I-2, somente permitiu a existência de duas associações políticas nacionais, nenhuma delas podendo usar a palavra “partido”. Criou-se então a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), base de sustentação civil do regime militar, formada majoritariamente pela UDN e egressos do PSD, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), com a função de fazer uma oposição bem-comportada que fosse tolerável ao regime.
Da mesma forma que na República Velha recorria-se à Comissão de Verificação dos Poderes do Congresso para afastar opositores inconvenientes, o regime militar adotou o sistema de cassações de mandatos para livrar-se dos seus adversários (foram 4.682 os que perderam seus direitos políticos). Juntaram-se na ARENA lideranças conservadoras e fascistas, enquanto os liberais e os escassos trabalhistas sobreviventes dos expurgos, entraram para o MDB: situação de congelamento que se prolongou por quase vinte anos
O multipartidarismo da Nova República
A camisa-de-força em que a vida política brasileira foi contida na época do regime militar, rompeu-se gradativamente a partir da vitória eleitoral da oposição em 1974, forçando a política da “abertura lenta e gradual”, adotada pelo general-presidente Ernesto Geisel, que passou obrigatoriamente pela retomada da liberdade de organização partidária. A Campanha das Diretas-Já, de 1984, foi o último momento em que houve um congraçamento geral das forças de oposição, fazendo com que a partir dali cada agremiação buscasse seu rumo próprio.
No lugar da extinta ARENA surgiram o PFL (Partido da Frente Liberal) e PPB (Partido Popular Brasileiro), e de dentro do MDB emergiram o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) o PSDB (Partido Social-Democrático Brasileiro), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o PDT (Partido Democrático Trabalhista), e o PT (Partido dos Trabalhadores), que ora elegeu o presidente da república. Numa típica reação ao sufocamento da vida partidária anterior, a nova lei partidária entendeu dar direito de expressão partidária (o que não se revela em ganho eleitoral), a todo o qualquer tipo de proposta que cumprisse com os quesitos mínimos necessários à formação de um partido político. O resultado é que com a proliferação dos partidos, ditos “nanicos”, ocorreu uma “poluição” do processo político, afirmando os críticos desse multipartidarismo excessivo que a própria governabilidade fica fragilizada pela existência de tantos partidos, havendo hoje no Congresso mais de 30 representações políticas legais.
De outro lado, os defensores da mais ampla e livre organização partidária indicam que a complexidade e as desigualdades do Brasil ficam mais bem expostas na multiplicidade e não na uniformidade partidária. Mesmo reconhecendo a existência de apenas quatro ou cinco grandes correntes ideológicas (de esquerda, do centro-esquerda, do centro-direita e da direita), que forma a totalidade do espectro político nacional, entende-se que é melhor para o país manter o atual sistema de representação do que tentar limitá-lo. Assim sacrifica-se a governabilidade em nome da diversidade da representação.
Partidos políticos: representação e governabilidade
Em diversas oportunidades históricas, tanto no Brasil império como na república, os governantes tiveram que fazer uma opção entre conseguir a estabilidade política necessária ao bom governo das coisas ou manter a integridade da suas idéias, dos seus programas políticos, e mesmo a representatividade dos mandatos para que foram eleitos.
O que se tornou mais costumeiro foi que eles, em nome da governabilidade, sacrificassem seus princípios ideológicos partidários mais caros em função de um acordo que os permitisse cumprir com certa eficácia os seus desígnios de governo e de administração. A tendência mais comum, pois, foi sacrificar as idéias, os programas e a representavidade, em nome da ordem e do bom andamento das coisas, tentando evitar crises políticas danosas ao controle que as elites exerciam e exercem sobre o país-continente.
Essa estratégia de sobrevivência adotada por muitos políticos de vulto, de evitar crises políticas graves que pudessem enfraquecer de modo irreparável o poder das elites, fez com que os partidos políticos merecessem pouca confiança da parte da população brasileira em geral, daí haver uma preferencia dos eleitores por indivíduos, por homens confiáveis, por “salvadores”, mas não por programas partidários ou ideológicos.
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